08 agosto 2010

Show Me a Little Shame, Mr Mourinho

Apropriei-me do título de uma música de Ben Harper, o afro-americano que usa a palavra e o microfone como instrumentos de ataque político, apontando o dedo, de forma panfletária, ao que de gritante se vai praticando, por esse mundo fora, para fazer um paralelismo com o Special One. Consta que a integralidade da letra foi dirigida, com veneno, ao texano mais odiado do universo, George Bush. O antigo presidente americano ficou com as orelhas a arder...

Sou um daqueles acérrimos defensores de José Mourinho. Seu fiel fã, de dedicação extrema, eternamente agradecido pelo presente de dois anos magníficos, com a flâmula azul e branca a ser cravada no coração da Europa, símbolo máximo da conquista conseguida. Sempre lhe defendi a arrogância com que camuflava o génio, encontrando sistemáticos argumentos fantasiosos para combater em querelas fúteis. Sempre lhe perdoei intimamente os pecadilhos verbais, as constantes diatribes, o clima de guerrilha vincado.
Mas nem dotado de uma paciência que faria inveja a um qualquer monge budista, consegui evitar o insulto. Um sonoro "vai-te foder", após ler a entrevista que a eminência deu ao Record.

Que ele tem um diferendo pessoal com André Villas-Boas, já todos perceberam. A especulação não será gratuita se adivinhar que esse azedume foi motivado pela crescente ambição de Villas-Boas, cuja estagnação nos trabalhos de gabinete ameaçava lobotomizá-lo. Compreendo até que Mourinho não tenha gostado dessa aparente sublevação do seu pupilo, alterando a ordem natural das coisas. Ele, sempre rigoroso e metódico, via o seu pequeno universo profissional estilhaçar-se com a "rebeldia" do agora técnico portista.

Compreendo igualmente o enfado que o Porto clube lhe provoca, como se a sua passagem pela Invicta apenas merecesse ser recordada pela semana quente que antecedeu a final de Gelsenkirchen. A coacção e as ameaças, perante a sua irredutível vontade de emigrar para Londres, deixaram marcas irreparáveis numa relação que se tornou inquinada.

Entendo isso tudo.


Apenas acho que, mesmo para o Special One, agora confortavelmente instalado no trono do melhor treinador do Mundo, o menosprezo cuspido em cada sílaba da entrevista, dada a um jornal que sempre o invectivou, foi demasiado baixo. Mesmo para os seus próprios padrões morais.
Usar o passado de André Villas-Boas, de informático, como aguilhão para aferroar o orgulho do antigo parceiro de treinos, remeteu-me para um passado, não muito distante. Uma realidade similar à de agora, onde um técnico jovem, exalando confiança em cada poro, se abespinhava sempre que a sua competência profissional colidia com o seu antigo papel de tradutor. E essas atoardas, cirúrgicas, surgiam sempre, triunfo após triunfo.

Mourinho, aparentemente, não aprendeu nenhuma lição de vida transcendente, nessa subida ao Olimpo, feita a pulso.
André Villas-Boas, felizmente, não embarcou numa demanda pela honra, criando um potencial foco de conflito nas páginas da imprensa. Sereno, o técnico portista soube responder com elevação aos insultos velados do seu antigo guru. E mostrou, para já, ao que vem. Perpetuar o apelo do código genético portista. A VENCER, DESDE 1893.

1 comentário:

  1. Esta história só ficou mal a José Mourinho. André Villas-Boas respondeu às provocações que nem um campeão, dando a sua opinião, elevando a melhor de sempre quem o rebaixou. Mourinho foi baixo ao menosprezar o trabalho de um homem que o ajudou a vencer. Villas-Boas não deixa que meras questões pessoais lhe toldem o raciocínio. Mourinho, pelos vistos, deixa.

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