24 agosto 2010

Por qué no te callas?

Para gáudio da turba que prega o portismo como uma religião fundamentalista, Pinto da Costa voltou a falar. Na inauguração da casa do Porto de Caminha, o decano presidente, enlevado por sucessivos triunfos, aproveitou os microfones presentes para debitar as graças costumeiras. Coisa rara, nos últimos tempos, mostrando-se realmente prolífico. Primeiro, foi a aparição pública, em defesa de Queiroz. Depois, a entrevista ao Expresso. Agora, encorajado pelos aplausos provenientes da devoção clubista dos presentes, os remoques ao eterno rival não se fizeram esperar. "Ganhamos uma Taça a uma equipa de caceteiros", proferida naquele tom petulante, escorrendo uma espécie de ironia que se confunde com boçalidade, teve a costumeira recepção de quem sempre se habituou a ver Pinto da Costa no papel de defensor dos ideais azuis e brancos.

O problema é mesmo esse. O presidente dos Dragões já não tem a acutilância de outros tempos, tendo-se transformado - ou deixado que o transformassem - numa cópia fajuta de outrora. Uma caricatura. Alguém que desce do pedestal, de quando em vez, passeando pelo enorme séquito, dando-lhes aquilo a que eles se habituaram. Grosseria e estupidez, como se a casta inferior em que transformaram os adeptos do clube não percebesse tiradas mais elevadas. A declamação de poemas, em ambiente estilizado, fica para as elites.

A intervenção, em defesa do Seleccionador nacional já tinha roçado o ridículo. Sem a existência de uma política de comunicação assertiva e consistente, o clube vai-se deixando enredar em situações caricatas, com a sua intervenção ("filho da puta, como é que vais?" ipsis verbis), a ser amplamente difundida pelos media nacionais, expondo o vernáculo. O modo caricatural voltou a dar brado, ancorado nos sorrisos bonacheirões de quem lhe vai dando palmadinhas nas costas, incapaz de ver o ridículo em que vai resvalando. Cada vez mais...

A entrevista ao Expresso vale o que vale. Quase nada. O comum, neste tipo de jornalismo, com as perguntas feitas criteriosamente sob encomenda a serem recebidas, na blogosfera portista, como resultantes de uma intervenção genial de Pinto da Costa. Não foi. Debitou algo sobre o inefável Apito Dourado, piscou o olhos à imprensa cor-de-rosa, revelando pormenores sobre a vida privada (a mesma, diga-se, que o colocou à mercê dos seus detractores, aquando do affaire Carolina) e opinou confusamente sobre o futebol portista, acabando por não explicar o caos em que se transformou a pré-temporada portista, com jogadores a tornarem-se proscritos, outros aguardando semanas pelo envio de um certificado e com sectores a necessitarem de intervenção providencial.

Antes que seja liminarmente excomungado e expurgado de sócio do FCP (parece ser uma blasfémia ter opinião própria) tenho que confessar que continuo a manter um elevado apreço por quem conseguiu elevar o Porto ao estatuto de potência europeia. Pinto da Costa será, sempre, recordado pela capacidade de aglutinar, em redor do clube, uma mentalidade que conseguiu romper décadas de subserviência. Mas agora, aburguesado no respaldo de uma SAD que paga regiamente, convencido de que mantêm ainda o toque de Midas, foi-se acomodando, perdendo fulgor e mantendo-se fiel ao dogma criado do "nós contra o Mundo". O Mundo mudou. A irracionalidade de criar inimigos externos, como forma de solidificar um espírito corporativo, prática religiosamente difundida desde a década de 80, caiu em desuso. O clube cresceu desmesuradamente, com as novas gerações a vibrarem com a dinâmica de vitória, carecendo de algo mais para as alimentar do que teorias de conspiração e práticas sicilianas.

O Porto clube continua a viver amordaçado, preso de complexos que perpassam para a maioria dos adeptos, sempre dispostos a tornarem um qualquer jogo de futebol numa prática da mentalidade regionalista que roça o fundamentalismo. Com a política de comunicação do clube a ser um apêndice inexistente, roçando o anedótico, as práticas feudais continuam a imperar, numa sociedade por castas em que os seres pensantes são sempre os mesmos. Aos outros dá-se o "bodo aos pobres".

Que diferença existe entre o trauliteirismo de PC e a forma contundente, mas racional e bem educada, que o novo treinador portista faz apanágio. A classe, pelo que se vê, não se compra. É inata.


1 comentário:

  1. Paulo,

    Subscrevo cada palavra deste texto. E não é de agora, já há algum tempo que penso de igual forma.

    Abraço.

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